top of page

IN

 

 

"Maria – Vim falar contigo. Esta é a tua hora, o teu momento em que o outro mundo pára de viver pra mim. Entrei na solidão em que a tua presença é a minha realidade, em que a tua ausencia é presença verdadeira. Neste momento tu vens. A solidão se fez para tu appareceres, esphera magica em que todas as cousas do mundo morrem e vivem ao mesmo tempo, e em que se fecha a minha espera entre paredes e sonhos. Este momento não se conta entre os meus dias e as minhas noites e tudo que me rodeia é projeção de tua presença sonhada e de minha ausencia dos longes."

Trecho de carta de 04/05/1932.

Amor em Fragmentos

Trechos de cartas de Francisco para Maria.

Quadro 6

 

Quadro 7

 

 

"Mary, eu tenho uma tragédia de espirito, que é a fonte de minha angustia e do meu scepticismo. Eu não poderei ver em torno de mim senão o vasio, sempre e sempre. Eu sou dessas naturezas que carregam uma realidade propria, invencível, e que reduzem a essa realidade todas as cousas exteriores, e a ella incorporam todas as emoções e sentimentos, cortando a sua correspondencia com o mundo externo. Essa realidade é susceptivel de alargamento, porém, talvez não de enriquecimento: todas as cousas se sbatem em face della, ella forma por assim dizer um universo fechado. Existirá alguma cousa fora della? Os fatos, os objetos, os homens, não serão simples reflexos, apenas representações? Tenho lutado para romper este meu mundo fechado, encontrei um caminho uma vez: a comunhão com o todo universal, a solidariedade com todos os homens, pela inteligencia ou pelo coração. Escrevi o “carvão”: que exprime este estado. Infelizmente, verifiquei que só no isolamento, só longe dos homens é possivel a permanencia de semelhante attitude, e que ella só pode ser gerada em estado de contemplação. Quando se desce para o dominio da acção, encontra-se no homem o inimigo. E este encontro, este choque, quebra aquella atitude. Como unica defesa, apresenta-se o recurso e volta a si mesmo, ao seu universo fechado, ao seu refugio."

Trecho de carta da década de 1930.

Quadro 8

 

 

"Tu sabes que eu gosto de tua alegria, e as tuas cartas são um espelho dela. Tu escreves com uma ligeireza infantil, uma ligeireza de quem, apezar de tudo, não foi tocada pela amargura da vida. Mary, que admiravel alegria de viver alimenta a tua alma! E como se vê em todas as tuas palavras a persistencia da fantasia e do sonho corrigindo a realidade! Só por esse motivo tu me pareces preciosa, se tu não fosses dona de outras virtudes tão grandes.[...]

Tua alegria é uma alegria instintiva. Como a das crianças, natural, sem reflexão. Faz boa companhia à minha tristeza, inquieta, meditativa, tristeza de quem já observou muita coisa."

Trecho de carta de 7/04/1936.

Quadro 9

 

 

9-III-MCMXXV

Maria – Não sei se me engano. Mas, através dos primeiros periodos nervosos da tua carta, eu sinto fulgurar uma subtil e feminina ironia. Ella é amável tambem. A ironia feita por uma mulher tem sabor de mel e toques de pluma. Alem do mais, elles são contraditorios. Elles encerram duas suggestões, na forma de pedidos. Não sei qual dellas tomarei para meu uso, notando-se que qualquer das duas, num certo sentido, podem assumir o papel de abusos. De abuso, sim, senhora. Tu comprehendes...

Dizem que o homens têm a tendencia irresistível e dominadora de seguirem, irremediavelmente, os impulsos do instincto. Eu, por seu homem, não posso fugir a essa regra geral e millenar. Sigo sempre os impetos do meu instinto. Os resultados, bons ou maus, desse systema (não sei bem se é um systema), não dependem, de forma alguma, delle, e, sim, do grau de educação do instincto. Por isso, um sociologo patricio moderno, num de seus mais profundos livros, dá uma lição bem aproveitavel, quando recommenda aos homens de educarem o insticnto.

Trecho de carta de 09/03/1925

Quadro 10

 

 

"Maria – Há uma phrase na tua carta que resume uma philosophia. Philosophia com a marca viva de uma vida vivida. “C’est la vie” é formula expontanea do conformismo. Esta expressão é corriqueira hoje em dia, anda na boca de todo o mundo como commentario banal deante de certos factos tristes da vida, por isso mesmo pouca gente sabe arrancar della o seu sentido profundo. Porem para quem sabe enxergar o fundo, ela deixa de ser simplesmente o “cliche” do nosso comportamento bem educado ou a expressão do nosso interesse commovido, para reumir um estado amargo e sereno de acceitação, de revolta que deixou de ser revolta e se transformou num conformismo necessario. Conformismo que não significa derrota nem renuncia porem uma sabia adaptação às circunstancias da vida."

Trecho de carta de 17/05/1932.

Arquivos Pessoais e outras coisas

In Oblivium

bottom of page