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"Mary, nas tuas cartas tu não tens falado de ti, da pequena vida que te cerca, das novidades que nascem e morrem no teu circulo. Eu tenho, entre outros, este lado futil: eu gosto dos “potins”, porem não para gosa-los em si, no que elles tenham de picante ou malicioso, e sim para tirar delles  interpretações e conclusões. Estas pequenas cousas quotidianas são tão interessantes. Ainda mais quando a tua vida está projectada nellas, ou quando ellas são mesmo qualquer cousa de ti mesma. O menor acontecimento assume sempre tanta importancia, cerca-se sempre de um prestigio especial quando a “bem amada” toma parte nelle. Além disso, eu descubro nestas cousas diarias uma poesia paradoxal: a poesia da mesmice quotidiana, do sempre-o-mesmo da vida, com as pequenas variações pessoais."

Trecho de carta da década de 1930.

Amor em Fragmentos

Trechos de cartas de Francisco para Maria.

Quadro 11

 

Quadro 12

 

 

"Te mando uma “foto” já que eu não posso ir agora passar uns dias contigo. Não te irrites, a ausencia é presença, quando sabemos vive-la. E ela talvez já não seja tão longa e demorada."

Trecho de carta de fevereiro 1933.

Quadro 13

 

 

"Recostado na cama, junto à janella, fumei alguns cigarros, olhando a noite. Tinha impressão, de repente, (puerilissima, lyrica), de que no cartaz do céo o nosso noivado era anunciado com letras de estrellas."

Trecho de carta da década de 1930.

Quadro 14

 

 

"18-Agosto-1933

Mary – minha querida.

Não é bem uma carta que vou te escrever, ou então é uma carta em vôo de aeroplano. Vertiginosa. Rapida. Trepidante. Sinão ella não poderá chegar às tuas mãos no horario que já estabeleci...

Não fui, ou melhor, não voltei pra casa à hora que desejava com tempo assim de te escrever uma carta pensada e sentida tranquilla. E então para não deixar de te mandar pelo avião de amanhã um pouco do fremito da minha saudade e do meu amor, resolvi abarcar-me na mesinha cubiculo da Condor e te escrever esta carta aeroplanica, em peso e tamanho medidas, todas as minha ancias reduzidas, todas as minhas tristezas submissas, toda a minha alma dobrada, vergada como um galho cheio de frutos tristes, e em que o passaros alegres não pousam mais nem cantam.

Pelo outro avião te escreverei mais longamente, mais calmamente, uma carta mais sentada."

Trecho de carta de 18/08/1933, Porto Alegre.

Quadro 15

 

 

"Mary — Tu és uma perfeiçãozinha de mulher, uma perfeiçãozinha gostosa e imperfeita, em todas as pequeninas cousas femininas que deliciam e torturam. Teu bem e meu mal é a tua excessiva feminilidade. Tu és mulher demais para não me fazer soffrer. E esta é a tua victoria.

Me lembro agora de dois versinhos que me subiram aos labios, um dia em que eu pensava intensamente em ti e no nosso drama. Creio que foi em 1929, numa tarde milongueira, dentro de um silencio evocatorio, eu procurava descobrir o motivo da resistencia de meu ser ao esquecimento do nosso caso, a força poderosa que se oppunha ao esforço do meu coração para afugentar a tua imagem persistente. E a explicação exteriorizou-se em duas rimas:

Tu me fizeste soffrer, isto é,

Eu não posso te esquecer:

tu me fizeste soffrer.

Assim a dor foi que perpetuou o amor. E para minha sensibilidade, eu não compreendo amor sem dor. Eu soffro sempre, o amor em mim por enquanto é inquietação, é angustia. Talvez depois venha o repouso. Mas ainda dentro do amor, ou num ambiente calmo e doce de amizade?  A gente não sabe nunca. O que vem é quase sempre imprevisto, na maior parte. E esse aspecto de aventura que ha na vida é que dá o sal à existência. Si a humanidade conhecesse em absoluto o que vem, haveria com certeza mais suicidios no mundo.

Não quero affirmar que tudo é dor no mundo. Nem tudo é dor como queria Buda. Nem tão pouco todos os homens soffrem no amor. Mas nem por isso eu soffro menos. Ninguem tem culpa disso. Si se quisesse culpar alguem, a minha sensibilidade é que appareceria como culpada única.

Aqui eu poderia perguntar si é possivel a felicidade no amor, com tal sensibilidade. O momento mais feliz do homem é o momento em que ele encontra a plenitude do ser. O amor é complemento. Mas todos os homens se completam no amor? Eu me refiro a um complemento absoluto em corpo e espírito. Um complemento que, pela união, permitta realizar-se o que um pensador atleta entendia por amor: a absorção no todo infinito.

De mim, eu digo: eu sou feliz quando estou a teu lado, longe dos outros. É estranho: meu amor não sabe quase suportar a presença dos outros e de cousa alguma que o disperse. O meu amor é para totalista: elle quer a totalidade de teu ser para elle, tu que és o seu objeto unico.

E eu estou convencido: entre dois seres que se buscam, não deve ser discutido o amor. Dante aconselhava: non raggionare da loro. Eu sei o que é o amor, conheço a sua expressão humana, não desconheço a sua significação natural, sou sensato, não exijo mais do que a mulher pode dar, tenho certeza de que não existe o absoluto, sei que no continuo esta incluido o discontinuo, que no inconsciente dorme muita coisa que não devemos saber (porem que hoje já se póde descobrir, felizmente ou infelizmente?) e que tudo na vida é um jogo interessante e universal e tu, meu amor, o mais bonito brinquedo que a vida me deu.

Todo o Francisco

13-Dezembro, 932"

Carta de 13/12/1932.

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In Oblivium

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